As curvaturas presentes em nossa coluna são partes fundamentais para a proteção, absorção de impacto e mobilidade, a perda da lordose cervical é considerada uma deformidade da coluna vertebral e está ligada com a dor e incapacidade, muitas vezes sendo expressada em sintomas craniocervicais. Durante a evolução do feto para se acomodar na barriga da mãe, adotamos primeiramente uma curvatura em formato de “C”, nomeada cifose, de provável presença apenas na região torácica e sacral posteriormente. Ao longo do desenvolvimento, no momento em que o bebê começa a olhar para cima, se inicia o processo de formação da lordose cervical e, logo quando começa a engatinhar, a lordose lombar começa a ganhar forma através do peso dos órgãos do abdome. Nos últimos anos, decorrente do estilo de vida adotado principalmente pela população mais jovem, onde o sedentarismo combinado com a postura no escritório e nas telas dos smartphones, vem sendo grande protagonista no desenvolvimento de anormalidades na curvatura cervical, sendo uma delas a retificação.
A lordose cervical, por causa de sua posição e formato, tem papel fundamental no suporte de carga, estabilidade e biomecânica da coluna, influenciando na inclinação pélvica e sacral. A perda de seu formato é considerada um processo comum ao longo do envelhecimento, através dos processos degenerativos como a osteoartrite das facetas, que acompanha redução do espaço articular e estreitamento do espaço discal. A ocorrência de degeneração pode influenciar na redução ou perda da lordose segmentar ou global, muitas vezes sendo a causa de cervicalgia e diminuição da coluna vertebral anterior ou posterior, gerando mudança no perfil sagital.
Um dos mecanismos envolvidos na perda da lordose cervical, segundo alguns estudos, aponta para a ligação entre os músculos do pescoço, principalmente os extensores em pacientes com cervicalgia e a compressão do disco intervertebral, onde a degeneração pode causar desidratação da cartilagem envolvida, resultando na perda de altura. Outro achado importante em estudos recentes é que o grau de hérnia de disco e compressão da medula espinhal na região cervical são inversamente correlacionados à lordose cervical em pacientes jovens com cervicalgia, em que após a recuperação da curvatura lordótica e, consequentemente desenvolvimento no equilíbrio de carga, pode haver melhora no grau de hérnia de disco e na altura do espaço discal, indicando forte ligação entre a lordose cervical e alterações degenerativas. Ademais, a curvatura possui influência da idade, sexo e grau de hérnia, podendo evoluir para uma cifose caso a curvatura não for restaurada.
Por mais que a degeneração seja parte comum dos processos fisiológicos, manter uma curvatura cervical adequada é fundamental para asseverar o equilíbrio e a função motora, conforme já citado, a postura inadequada, sedentarismo e danos nos tecidos moles do pescoço, influencia na diminuição da estabilidade cervical e perda da lordose, gerando sinais precoces de alterações degenerativas como curvatura cervical anormal, incluindo lordose cervical escassa e cifose. Essas anormalidades podem levar à disfunção biomecânica, lesão muscular cervical, hiperplasia cervical e espondilose cervical, sendo extremamente importante para a última a recuperação da curvatura durante seu tratamento. Em casos de cervicalgia crônica, atualmente presente em 20% da população normal acima de quarenta anos, sua origem pode estar ligada à hérnia de disco, articulações facetárias, músculos e ligamentos.
Cervicalgia e hérnia de disco
Um estudo recente concluiu que o grau de hérnia de disco foi maior em pacientes com retificação cervical, sendo observado também maior prevalência no sexo feminino e com idade menor comparada aos pacientes com lordose cervical normal. Ao longo do experimento, pacientes com cervicalgia obtiveram melhora dessa curvatura e também apresentaram diminuição do grau de hérnia de disco junto com aumento do espaço discal, indicando que a restauração da curvatura é considerável para a melhora da hérnia de disco cervical. Além disso, pacientes com mais de quarenta anos com curvatura anormal apresentaram protrusão de disco posterior mais frequente, correlação confirmada entre lordose cervical e hérnia de disco, podendo melhorar o diagnóstico de espondilose cervical. Assim, foi observado que o grau de hérnia de disco e compressão da medula espinhal cervical são inversamente correlacionados à lordose cervical em pacientes jovens com cervicalgia, onde o grau de deslocamento do disco intervertebral e a altura do espaço discal podem se recuperar de acordo com o restabelecimento da curvatura citada.
Ademais, pessoas do sexo feminino tendem a ter maior frequência de cefaleia e menos lordose cervical, onde as diferenças já aparecem desde a infância, podendo estar relacionado com a morfologia do crânio, laringe e tórax. Foi observado também que pacientes mais novos apresentaram maior índice de cifose cervical, tornando evidente que jovens são mais propensos a ter a perda da curvatura, além de desenvolver bruxismo. Embora haja pacientes assintomáticos, manter o alinhamento “normal” é de extrema importância, principalmente com atuação da quiropraxia, que pode auxiliar também na postura anterior da cabeça, altamente relacionada com o desconforto no pescoço. Além da dor, recentemente foi identificado que o alinhamento sagital cervical possui papel importante nas alterações neurofisiológicas, modeladas no processamento somatossensorial e no controle sensório-motor.
Sistema nervoso
Sabemos que a neuroplasticidade é a capacidade do sistema nervoso de desenvolver e modificar as conexões sinápticas, gerando mudança em sua estrutura, organização e função. As alterações neuroplásticas estão presentes ao longo da vida através de novas experiências e atividades repetitivas, incluindo lesões traumáticas, severas ou não. Estudos apontam que essas mudanças fazem parte do processo adaptativo através de impulsos nociceptivos contínuos e nocivos nas áreas espinais, subcorticais e corticais, onde alterações neuroplásticas podem justificar anormalidades e características específicas em pessoas com desalinhamento sagital cervical, em que a entrada aferente alterada é considerada uma das melhores explicações para o desenvolvimento de alterações neuroplásticas anormais no sistema nervoso.
Outro estudo, utilizando tração Deneroll, focada em restaurar a curvatura cervical anormal, teve como objetivo mostrar como a lordose cervical pode alterar o tempo de condução e processamento central em um grupo assintomático. Durante a análise foi comprovada a melhora da curvatura com o provável mecanismo de deformação viscoelástica dos tecidos moles anteriores, incluindo músculos, ligamento longitudinal e discos intervertebrais, gerando um compartilhamento de carga normalizado na coluna cervical. A postura anormal da cabeça, além de contribuir com o aumento da demanda física e alterações degenerativas, pode gerar disfunção articular, encaminhando informações aferentes neurofisiológicas anormais. A degeneração do disco intervertebral, junto com a lordose cervical anormal e a translação anterior da cabeça também podem colaborar na diminuição da amplitude de movimento, além da mudança no padrão cinemático segmentar da coluna. Há pesquisas que sugerem uma tensão constante exacerbada e aumento nos elementos neurais e vasculares na coluna cervical anormal, comprometendo o fluxo sanguíneo, podendo levar à disfunção neurológica.
Algumas pesquisas atuais também identificaram que o aumento do estresse longitudinal e da tensão na medula espinhal podem comprometer os mecanismos de excitação mecânica que auxiliam na produção e propagação de potenciais de ação neural. Há estudos que sugerem disfunções neuronais por estresse e deformações longitudinais ou transversais como consequência da cifose cervical.
Uma lordose cervical reduzida combinada com a translação da cabeça está ligada com a diferença na atividade neural em várias regiões (cortical e subcortical) do sistema somatossensorial. Ao restaurar o alinhamento sagital cervical, impacta diretamente no tempo de condução central. O tratamento terapêutico com quiropraxia é focado em melhorar o processamento central através de estímulos, restauração do alinhamento sagital normal e melhora na amplitude de movimento, sendo de extrema importância uma vez que distúrbios da coluna cervical estão entre os maiores contribuintes para dor na coluna, incapacidade e perda de trabalho.
Referências
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